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Introdução

O contacto das crianças com a escrita exerce uma influência significativa na aquisição e desenvolvimento de competências linguísticas, cognitivas, de leitura e escrita. No entanto, será precipitado fazê-lo com crianças que ainda não iniciaram a aprendizagem formal da escrita? Esta é, certamente, uma questão que poderá ser levantada. Por essa razão, é fundamental esclarecer que as actividades de escrita propostas neste texto não visam impulsionar o seu ensino formal na pré-escola. Visam antes promover a aquisição de conhecimentos-chave, como, por exemplo, o conhecimento das letras e dos respectivos sons, para a aprendizagem bem-sucedida da escrita (Kim et al., 2015; Quinn et al., 2021).

A aprendizagem da escrita não se inicia com o seu ensino formal. Começa quando as crianças recorrem a diversas ferramentas, como, por exemplo, lápis de cera e marcadores, para expressar as suas ideias, sentimentos e pensamentos através de uma variedade de marcas, tais como rabiscos, desenhos e formas semelhantes a letras.

De acordo com a literatura científica especializada, as crianças, à medida que contactam com a escrita e adquirem conhecimento sobre a relação entre a linguagem oral e a escrita, recorrem às competências linguísticas para gerar as palavras que desejam escrever, prestam atenção à forma das letras e aos conceitos de impressão (reconhecendo que a impressão tem significado, por exemplo) e acedem ao conhecimento do som das letras, usando competências de ortografia (Rowe & Wilson, 2015).

O contacto com a escrita permite às crianças ganharem confiança na aquisição da mesma. Quando desenvolvem essa confiança, as crianças geralmente aproveitam as oportunidades de escrita na sala de aula, demonstram mais interesse na sua aprendizagem e estão mais envolvidas nas actividades (Zhang & Quinn, 2020). Por essa razão, estimular a escrita na pré-escola assume um papel fundamental.

Os múltiplos objectivos de aprendizagem previstos na educação pré-escolar podem dificultar a alocação de tempo para actividades de escrita. Neste sentido, Gerde et al. (2024) apresentam diversas sugestões sobre como aproveitar a rotina dos alunos e a transição entre as diversas actividades para realizar actividades de escrita. Estas oportunidades, que ocupam entre 25% e 30% do dia escolar (Ohl et al., 2020; Pianta et al., 2018), podem desempenhar uma influência significativa na aquisição e desenvolvimento da escrita.

Integrar actividades de escrita na pré-escola: maximizar o potencial das rotinas e das transições entre actividades para a aprendizagem

De acordo com Gerde et al. (2024), as actividades de escrita devem focar-se em diversas competências, incluindo as de transcrição, necessárias para formar letras correctamente, e as de composição, essenciais para a formação de ideias. Os investigadores sugerem que as educadoras podem analisar o cronograma ou horário da turma para seleccionar alguns momentos do dia durante os quais as actividades de escrita podem ser integradas, elegendo momentos específicos para incluir essas actividades ou optando por variar os momentos nos quais são incluídas. Na Tabela 1, são apresentados exemplos de actividades de escrita focadas na transcrição e composição, que podem ajudar as educadoras a seleccionar as que melhor se adaptam à sua sala. Note-se que deve permitir-se que as crianças usem uma variedade de marcas que transmitam significado, como, por exemplo, uma cruz, um visto, um rabisco, um desenho ou o primeiro nome. Desta forma, as crianças podem participar nas actividades de escrita, independentemente do seu conhecimento das letras e dos respectivos sons.

Tabela 1. Sugestão de actividades de escrita

Tabela 1. Sugestão de actividades de escrita (continuação)

Considerações finais

Em idade pré-escolar, a realização e o envolvimento das crianças em actividades de escrita podem beneficiar significativamente a aquisição e o desenvolvimento futuro da literacia. A inclusão da escrita na rotina escolar optimiza a aprendizagem durante os períodos habitualmente menos preenchidos e promove a concentração das crianças, reduzindo os problemas de comportamento que estes períodos podem causar. Permite-lhes ainda praticar habilidades de transcrição (caligrafia e ortografia) e de composição. Sejam elas rabiscar, desenhar, formar letras ou escrever frases, todas estas actividades ajudam a fortalecer a compreensão das crianças sobre o propósito da escrita.

PONHA EM PRÁTICA

  1. Reveja o seu horário e identifique os períodos menos preenchidos. Analise atentamente o seu horário para identificar os períodos em que as crianças podem realizar actividades de escrita. Registe os períodos ou horários menos preenchidos nos quais as actividades podem ser integradas.
  2. Planeie actividades de escrita. Decida como as actividades de escrita serão realizadas. Determine os materiais necessários, como, por exemplo lápis e papel, e, não menos importante, como as crianças terão acesso a esses materiais. Certifique-se de que os materiais são adequados à idade e facilmente acessíveis.
  3. Organize estratégias de apoio. Determine como irá apoiar as crianças durante as actividades de escrita. Determine também o foco das actividades (e. g., composição, caligrafia, ortografia ou combinação dessas competências). Decida se irá modelar as actividades de escrita e fornecer pistas para as tornar mais fáceis e acessíveis.
  4. Reflicta. Após a administração das actividades de escrita, reflicta sobre a experiência: o que correu bem e o que poderia ser melhorado. Considere o retorno das crianças para melhorar a sua abordagem. Adapte as actividades de escrita para garantir que estas vão ao encontro das necessidades e interesses das crianças.

Referência bibliográfica

Gerde, H. K., Seymour, T., Bingham, G. E., & Quinn, M. F. (2024). Promoting early writing across the school day. The Reading Teacher, 0(0), 1-13.

AUTORES

Célia Oliveira

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Célia Oliveira é doutorada em Psicologia Experimental e Ciências Cognitivas pela Universidade do Minho, com uma tese sobre o papel de processos atencionais na capacidade de memória operatória. Pela mesma universidade, licenciou-se em Psicologia com pré-especialização em Psicologia Escolar e da Educação, e completou um mestrado em Psicologia Clínica.

Atualmente, é docente na Universidade Lusófona do Porto, onde é responsável por unidades curriculares no domínio da Cognição (Psicologia da Memória e Psicologia da Atenção) e da Psicologia da Educação (Psicologia da Educação e Psicologia Escolar). É membro do HEI-Lab - Digital Human-Environment Interaction Lab, da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, e integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho. Os seus interesses e atividade de investigação contemplam os domínios da aprendizagem, atenção e memória humana.

Detém experiência continuada de prática clínica com crianças e adolescentes, e tem exercido atividades de consultoria científica em projetos de investigação, bem como consultoria técnica em contextos de atuação comunitária.

Soraia Araújo

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Soraia Araújo é doutoranda em Psicologia Aplicada, na Escola de Psicologia da Universidade do Minho. Licenciou-se em Psicologia, em 2018, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e concluiu o Mestrado em Psicologia Aplicada, em 2020, na Universidade do Minho.

Integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho, desde 2019, quando da realização da sua dissertação de mestrado intitulada «Formação Contínua de Professores: Necessidades, Participação e Barreiras». No mesmo grupo de investigação, encontra-se a desenvolver a sua tese de doutoramento sobre as dificuldades de aprendizagem inicial da leitura. Integra, ainda, o programa AaZ – Ler Melhor, Saber Mais, onde colabora, essencialmente, na escrita de textos de apoio sobre o ensino da leitura, dirigidos a professores do 1.º ciclo do ensino básico.

Os seus interesses de investigação centram-se na área da Psicologia e da Educação. Especificamente, ensino da leitura e escrita, dificuldades de aprendizagem, perturbações do neurodesenvolvimento, métodos de ensino e formação de professores.

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